Muito se fala academicamente nos desdobramentos da pesquisa no campo das artes visuais enquanto campo do conhecimento. Indagações como de que maneira a proliferação de metodologias de pesquisa podem ampliar – em termos de produção e teorização artística – a investigação das diferentes manifestações e movimentos nas Artes. Neste texto, pretendo abordar rapidamente o caso do retorno à pintura, (especialmente do retrato), na pintura contemporânea, a partir do estudo de obras da coleção do Museu de Arte Murilo Mendes (UFJF), (cujo acervo data, predominantemente, do período modernista) pelo artista Guilherme Melich.
Dentre as obras que compõem o acervo de artes visuais que pertenceu ao poeta, destacam-se retratos elaborados por diversos artistas, brasileiros e europeus, tais como Arpad Szenes, Maria Helena Vieira da Silva, Guignard, Flávio de Carvalho, Ismael Nery, entre outros. Ao visitá-lo e recriar o imaginário artístico no qual o poeta juiz forano estava inserido, o artista Guilherme Melich produziu uma série de quadros retratando os artistas autores dos retratos de Murilo. As pinturas, esboços e desenhos elaborados por Guilherme, vão compor a exposição – Olhar A(r)mado – na galeria Retratos-Relâmpago do MAMM, no segundo semestre de 2019, além da publicação de um livro com o resultado da pesquisa, contendo artigos e imagens das obras produzidas.
A reflexão sobre as possibilidades e limites da representação que atravessa a arte a partir do séc XX, encontra interpretações particulares na pintura, sobretudo nos retratos. É certo que, ao longo da história da Arte, na pintura, o retrato se estabelece como gênero no século XIV, associando sua elaboração à representação de figuras ilustres, mas, sobretudo, construindo narrativas e arquétipos identitários.
O Casal Arnolfini, de Jan Van Eyck. 1434. A Dama com Arminho, de Leonardo Da Vinci. 1485-1490 Retrato de Luís XIV com trajes de coroação, de Hyacinthe Rigaud. 1701.
Entretanto, nos meandros da subjetividade da pintura, sempre houve, para além da representação, certa adulação dos atores representados, especialmente por conta da necessidade econômica do artista – importante fator para manter sua produção e sustento. Por este motivo, os cânones que se estabeleceram ao longo das distintas temporalidades históricas, desenvolveram um encolhimento do espaço para busca de outras possibilidades para a pintura.
Na modernidade, o advento da fotografia se apresenta como a maneira mais adequada e verossímil de representação, inaugurando uma disputa nos diversos campos semânticos das artes, oportunizando novos meios de se pensar o retrato. Hoje, ao voltarmos nosso olhar para os diversos movimentos artísticos modernistas, podemos observar a busca por protagonismo na exploração dos limites conceituais das definições no campo das artes como tônica principal, dilatando repertórios estéticos e libertando os artistas da hegemonia dos cânones acadêmicos vigentes. Por outro lado, com a intensa hibridização das definições conceituais nas artes, bem como a eclosão da criação de novos aparatos tecnológicos, a arte contemporânea passa a explorar novas maneiras de se pensar e propor arte, dando lugar às performances, happenings, instalações, fotografia, video-arte, deixando, de certa forma, a pintura, e o retrato, na periferia das temáticas e técnicas abordadas.

O trabalho de Melich, propõe investigar o recente retorno à pintura na contemporaneidade, mais especificamente – o retrato – partindo do exercício da pintura, após análise e pesquisa do acervo de artes visuais do poeta Murilo Mendes, alocado no MAMM/UFJF. Deste modo, propondo retratar os artistas que retrataram Murilo, Guilherme constrói narrativas visuais que buscam dialogar com os atores que orbitavam o circulo de convivência de Murilo Mendes, procurando trazer para o espectador a experiência do seu processo criativo, explorando a pintura como ferramenta para manipulação da matéria pictórica, fazendo da tinta substrato para modelagem dos retratos sobre a tela.
Murilo Mendes, OST. 2019.
Em sua pesquisa e busca por uma estética pictórica visceral, o amadurecimento da técnica na pintura levou o artista a entender a importância do processo criativo, desde a escolha das imagens de referência como a utilização da cor para definir as formas, onde as pinceladas generosas distribuem uma paleta exaustivamente trabalhada e promovem a criação de imagens instáveis, onde a distância que separa o espectador do quadro também separa a representação da abstração.
Vieira da Silva, OST. 2019. Arpad Szenes, OST. 2019. Ismael Nery, OST. 2019
Neste exercício do olhar sobre o processo da pintura, diante das obras do acervo, fica clara a intenção do artista de se inserir no circulo de amizades do poeta, fantasiando cada personalidade em conversas com os retratos em construção. A inquietação do artista exprime a necessidade de colocar na tela e devolver para o mundo o produto de sua percepção, revelando, na busca por um resultado cromático digno de adentrar no território das artes visuais, a tentativa de deixar rastros de sua existência. Nesse sentido, ao olhar para o mundo com perplexidade e registrar o produto de sua percepção Melich pavimenta o caminho que permite que seus pensamentos se desloquem para a materialidade do mundo, o que, de certa forma, acaba revelando a centelha mais curiosa e contemplativa do ato criador: o olhar do artista.
Frederico Lopes é Artista e Escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.